Entardecia, e eu fui caminhando sem pressa até a porta da tenda, na expectativa costumeira de me deslumbrar com os encantos da noite que chegava, morosa, mas pontual. O vento quente do deserto feria meus olhos com sua poeira áspera e agressiva, mas isso não me impedia de sentir a brisa perfumada que vinha em minha direção.  Havia passado meu dia triturando olivas, para que do seu azeite, mais tarde, a luz tremulante da lamparina pudesse ficar observando meu trabalho, em silêncio, de registrar os meus pensamentos e visões. Na verdade sua chama será a única testemunha do sopro do espírito a invadir minha alma. O Azeite coletado também me seria útil para a tarefa daquela noite, que misturado ao pó de carvão, deixaria gravado para sempre a minha coleção particular de palavras inesquecíveis. Se na lâmpada o azeite consumia sua existência em chamas por amor à luz, e depois desaparecia sem deixar vestígios do seu martírio, por outro lado o precioso líquido permaneceria para sempre nas marcas escritas no couro rude.  O carneiro, trazido a lombo de camelo lá do Mediterrâneo, que sacrifiquei na semana passada, outra vítima inocente, já estava com sua pele curtida ao sol e sal. A pena de ganso, ferramenta indispensável na minha oficina artesanal de arabescos, já estava afiada, com a faca da aldeia, trazida da Índia pelo mercador.

Pronto, já tinha todo material de que necessitava para por no pergaminho a inspiração vinda do Espírito. Que experiência alucinante era aquela de poder deixar registrado para sempre toda aquela matéria prima volátil e preciosa que emana da nossa mente. Era um fato tão maravilhoso que justificava todo e qualquer sacrifício meu para realiza-lo. Tudo isso me levava a um estado de euforia incontida. A inspiração flutuava na mente e era palpável. Uma ideia fixa se apoderou de mim. E comecei a escrever: A Providência é a face visível do Deus invisível. Prefiro mil vezes acreditar num Deus incrível, mas vivo – o Deus Amor – do que ser adorador do “acaso”, um deus mais inexplicável ainda e sem vida alguma.

Ali naquele momento eu não estava questionando a existência de Deus. Que Deus existe era para mim um pressuposto irrefutável. Negar Sua existência seria negar a existência do Universo que acabara de ver lá fora ao redor da Lua! Fora de cogitação pensar que a minha vida humana seja um mero acidente sem propósito! Quem pensa assim não conhece o complexo e divino metabolismo do nosso corpo, de um trabalho incansável de trilhões de células vivas. Mesmo consciente da minha ignorância cósmica, naquela noite o que eu queria mesmo era entender como Deus se relacionava comigo. Porque afinal, o problema não era só meu, pessoal, mas de cada ser humano que existe espalhado por todos os cantos da Terra. Se Ele me vê, vê cada um, vê um por um! Como assim?

Puff! Quando acordei desse sonho estranho, mesmo sonolento, fui direto para o escritório, e com rápidos toques de dedo, acendi a luz, liguei o computador e a internet, essa fantástica janela, que em poucos segundos, permitiu que eu me debruçasse sobre o mundo todo. E o mundo todo entrou de volta no meu quarto, para ficar disponível, ao meu alcance. Rapidamente me vi pronto, para o ato sublime de refletir. A inspiração tinha tomado conta do meu pensamento, abri depressa o Word e comecei a escrever, quando subitamente me dei conta de uma realidade incrível. Que diferença! Enquanto no sonho eu havia passado vários dias preparando o artesanato, agora aqui, tudo é tão fácil e mil vezes mais rápido. Mas, conteria mil vezes mais Sabedoria? Será que tanto privilégio tecnológico me ajudará a explicar algo luminoso sobre o drama existencial humano? E essa questão, porque não quer se calar?

Quem é esse Deus com quem devo me relacionar?

A Humanidade embarcou numa enorme nave; e sabe-se lá de onde ela veio. Nem sabemos se quer onde estamos, e menos ainda para onde ela está indo. Porisso viver é um desafio contínuo, tentando harmonizar extremos: A nossa Previdência humana, de um lado, cultivada no solo árido do dia a dia, e do outro lado, as dádivas de uma suposta Providência Divina, mistério dos mistérios, que atua concretamente na vida de cada terráqueo.

Andamos sempre de faróis baixos, de curta visão, conturbados pela luta previdente de cada um, porisso não conseguimos detectar os sinais da Providência, como se ela nem existisse; como se ela nada tivesse a ver com nossas vidas, com as células vivas do nosso corpo que nos mantêm vivos.

Nosso destino é complexo. Além de depender das nossas próprias decisões, depende também de fatores externos a nós, das circunstancias da vida. Tudo já é tão complicado do jeito que está, e além de tudo isso, temos também que nos relacionar com a PROVIDÊNCIA, que nem sabemos o que é. Ou melhor, não sabemos Quem é.

Opa! Não caia na tentação de interromper a leitura, só porque eu levei o papo para uma esfera mística. Cuidado com a fuga da realidade! Coragem, não faça isso! Prometo refletir sempre com os pés no chão.

É um erro muito grave, de sérias consequências para a nossa vida, desconhecer o enorme poder do nosso espírito. Que perda irreparável é acreditar somente nas nossas energias racionais e musculares! Se quisermos voar não podemos contar com o nosso corpo. Somente nosso espírito tem asas.

Há um conselho de sensatez milenar ecoando no universo: Viver como se tudo dependesse somente de nós, estando conscientes de que tudo está nas mãos da Providência.

Difícil admitir sim, e para aceitar temos que dar um salto mortal com a nossa alma!

Há os que acreditam, no entanto na supremacia da Previdência mundana, onde tudo que importa é o sucesso. Mas, há os que acreditam e confiam numa Providência amorosa e prática, que nos quer dar a vida e vida em abundância. Porque “Deus é amor”, tudo que Ele faz está direcionado para o aperfeiçoamento da nossa Socialidade.

Confesso, nem sei como isso é possível, mas é um mistério que fascina. A Providência conhece cada uma das nossas necessidades. Não é uma questão de religião, mas trata-se de algo inerente à vida humana, ela mesma criada pela Providência.

Eu, que sou de cultura tipicamente cristã, posso muito bem argumentar desta maneira:

Os Discípulos pediram ao Mestre: Ensina-nos a rezar… “, e Ele propôs (no “Pai Nosso” que todo mundo conhece), sete pedidos coletivos, mas todos pessoais… dando-nos a entender que Deus sendo Pai, ouve o que pedimos, e conhece CADA UM DOS SEUS FILHOS! Que se relaciona com cada um de nós. Se não fosse assim, o Mestre teria nos enganado! No entanto Ele nos fez acreditar que cada pessoa é ouvida e acolhida.

Sim, eu sei e concordo, é difícil de aceitar que exista Pai da categoria O³, isto é, para quem nada é impossível (Onipotente); Ele sabe tudo de cada um de nós (Onisciente); e estará sempre onde estivermos (Onipresente).

É mais ou menos como se o Presidente da Fiat soubesse onde está cada carro que a sua Fábrica produziu. Na verdade, muito mais que isso. É como se ele, do seu escritório, soubesse para cada carro, a hora certa de fazer a troca de óleo do motor. Impossível! Né?

Não dá para acreditar, mas dá para crer! … E agir.

Quem ama é sempre canal da Providência para alguém. Mas o ciclo perfeito se completa somente quando o amor for recíproco. Somente assim o mundo fica como gostaríamos que fosse, com todos vivendo em Perfeita Socialidade.

Fique atento! Amanhã, o inesperado pode te surpreender.

Não é isso que os pais fazem com seus filhos queridos?

Marco Iasi